No início de janeiro [de 2012], vi no Youtube um culto da
“virada de ano”, em que dançarinas vestidas de branco (como reza a tradição
mundana do “reveillon”) se contorciam ao som “do louvor”. Achei aquilo o fim da
picada, pois esse negocio de “adoração com dança” é totalmente despropositado.
Não tem nada a ver com louvor e adoração, embora tentem achar na Bíblia defesa
para isso.
Ainda me lembro a primeira vez em que alguém tentou
justificar “dançar para Deus”. Conversando sobre louvor, alguém me disse ter
lido um livro que dizia que a adoração tem que transbordar, extravasar, da
nossa vida. Não pode ficar restrita ao “período de louvor” na igreja, mas fazer
parte da semana, como uma fonte de alegria. Até aí tudo bem. Mas quando ele
disse que esse “extravasar” é que é a fonte ou raiz da “adoração extravagante”,
me acendeu a luz amarela. Perguntei a ele se não estava trocando um “s” por um
“g”: Adoração “extravasante” era o que ele queria dizer, no sentido de
extravasar e transbordar, e não “extravagante”. Ele disse que era extravagante
mesmo, que a gente pode até ser chamado de louco ou esquisito, que o importante
é adorar, não importando onde, nem como. E me mostrou um “boletim da igreja”,
onde o pastor escrevera que à hora que se quisesse poderia dar um grito, ou até
mesmo “um tiro” em louvor e adoração. Achei melhor mudar de assunto. Ponto,
parágrafo.
Algum tempo depois, outro irmão disse que na casa de Deus
deve haver liberdade. Se quisermos pular e dançar, que mal há nisso? Davi
dançou, disse ele, e Miriam também. Por isso a igreja tem que ter um
“ministério de adoração com danças”, justificou. Não falei nada, para não ser
tachado de rebelde ou de estar “fora da visão”. Sei como é isso; já fui chamado
de “tradicional” pelos “renovados” e de “pentecostal” pelos tradicionais… mas
vejo que essa “adoração extravagante” e “louvor com danças” vêm se
transformando em “vacas sagradas evangélicas”, que não admitem crítica. Vamos
ver do que vão me chamar agora.
O modelo de adoração da Igreja neotestamentária não tem nada
extravagante. O que aprendemos nas
epístolas sobre louvor e adoração está em
Efésios 5:19, 20 (“falando entre vós em salmos, hinos, e cânticos espirituais,
cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração, sempre dando graças por tudo
a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”), e Colossenses 3:16 (“com
salmos, hinos e cânticos espirituais, louvando a Deus com gratidão em vossos
corações”).
A Igreja primitiva usava em seu “período de louvor”, se é
que existia, “salmos” – como se sabe, passagens bíblicas com expressões de
adoração e louvor a Deus, como por exemplo, o que hoje numeramos como 19, ou o
147, ou mesmo o 23. Alguns Salmos anunciavam Jesus, como o 2 e o 22. É provável
que os cristãos do primeiro século tenham percebido isso e até usado como tema
de pregação. Sabe-se também que os Salmos tinham melodia, embora não saibamos
se havia instrumentos no culto primitivo.
Hinos, havia muitos, e há o relato de que Jesus e os
discípulos, após a última ceia, cantaram um deles (Mateus 26:30; Marcos 14;26),
e Paulo e Silas, presos, “cantavam hinos” (Atos 16:25). Com certeza não eram
“músicas gospel da moda”. Duvido que essas tenham o poder de mudar alguma
situação, ou chegar até o Trono, embora pretendam estar diante dele.
E os cânticos que Paulo cita em Efésios e Colossenses eram
espirituais, o que, na minha opinião, exclui as manifestações físicas de
coreografias, o “vira para o seu irmão e diz assim”, as “danças” e outras
inovações modernas.
Por fim, o louvor sempre deve dar “graças por tudo a Deus, o
Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Não sei bem se é isso que acontece
por aí.
Sobre danças, é preciso dizer que nem Miriam nem Davi,
citados como exemplos de “dança para o Senhor”, nenhum dos dois estava no
templo. Na época de Miriam, não havia nem o Tabernáculo. A sua, digamos,
“comemoração espontânea”, foi ao ar livre, e embora em agradecimento ao milagre
da saída do Egito, foi um ato de natureza cívica, e não em um culto. Este,
enquanto manifestação religiosa, era dirigido por Aarão e pelos levitas, em
outras circunstâncias.
Na cultura oriental a dança era manifestação popular,
geralmente liderada pelas mulheres. Foi o caso de Miriam (Êxodo 15:20), da
filha de Jefté (Juízes 11:34), das mulheres de Judá (I Samuel 18:6). Ao que
parece, o povo saía em passeata dançando em roda (Juízes 21:21 e 23). Até hoje
manifestações e celebrações judaicas envolvem danças, mas não são bíblicas –
são culturais – e não são para o culto cristão.
E Davi, ao saltar pelas ruas, obteve resultados muito mais
negativos do que positivos, e também foi fora do ambiente do culto, quando do transporte
da Arca para Jerusalém, no início do seu reinado.
Davi cismou que, além de rei, também era sacerdote.
Esqueceu-se (ou talvez não soubesse) da lambança de Saul, que não esperou por
Samuel e ofereceu sacrifícios a Deus, sendo duramente repreendido pelo profeta
(I Samuel 13). Davi fez uma gambiarra: não seguiu a determinação divina
(transportar a Arca por meio de sacerdotes a pé). Ele “inovou” e a pôs sobre
uma carroça, como os filisteus. Fica aqui uma advertência aos “líderes” e
“levitas” que buscam inspiração na modernidade, nos “costumes dos filisteus”, e
não na Bíblia. Aos que buscam métodos mais eficazes e produtivos, mesmo que
sejam de origem pagã.
O resultado foi a morte de Uzá. Davi temeu, e largou a arca
lá em Obede-Edom mesmo… Mas como Obede-Edom foi abençoado, ele viu que era bom
negócio tê-la por perto, e mandou o pessoal ir buscá-la. E ainda aprontou
outra: querendo dar uma de levita, vestiu parte da roupa que a tribo sacerdotal
usava nas cerimónias religiosas – “cingido dum éfode de linho” (II Samuel
6:14). Mas errou feio: Deus mandava que o sacerdote (coisa que Davi não era)
usasse “túnicas”, “tiaras” e “calções de linho, para cobrirem a carne nua;
estender-se-ão desde os lombos até as coxas”(Êxodo 28:4 e 42). Davi ignorou
isso, e como “dançava com todas as suas forças diante do Senhor” (I Samuel
6:14)… sem o traje completo que Deus ordenara… o resultado você pode imaginar.
“Mical, filha de Saul, estava olhando pela janela; e, vendo
ao rei Davi saltando e dançando diante do Senhor, o desprezou no seu coração”
(6:16). Muitos dizem que Mical era da igreja “tradicional”, por não aceitar o
“louvor extravagante” e “danças”, e que foi bem-feito ela ficar estéril “como
castigo”, pois desprezou Davi. Eu também não entendia porque ela havia desprezado
Davi; afinal, Davi estava alegre, o povo estava alegre, o quê que tem dançar?
Mas a razão do desprezo de Mical vem logo a seguir. Mical
desprezou Davi porque a conduta, a postura dele, não era louvável, era indigna
de um rei,“descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem
pejo [isto é, sem vergonha] se descobre um indivíduo qualquer” (6:20). Quer
dizer, sem usar os calções (cueca ou ceroulas) que Deus mandava o sacerdote
usar… Davi usava o manto, sem nada por baixo! Mical, obviamente reprovou isso,
e com certeza Deus também, pois o que Davi fizera era o mesmo que Uzá:
desrespeitou a santa lei dada a Moisés com respeito ao culto, conf. Êxodo
28:43: “isto será estatuto perpétuo para ele [Aarão] e para a sua descendência
depois dele”. Davi não era levita, nem sacerdote, nem descendente de Aarão, e
não tinha nada que inventar ali.
Em Sua soberania, Deus puniu Uzá e poupou Davi, mas isso não
nos autoriza a ir além da Palavra. Apesar disso, Davi disse que não estava nem
aí, que ia dançar mesmo, pronto e acabou (vs. 21, 22); mas mesmo assim, não se
tem notícias de repetição do fato. Talvez o rei tenha aprendido a lição, como
no caso do censo (II Samuel 24). Só porque Davi era Davi não quer dizer que
Deus aprovava tudo que ele fazia.
Outro dia um sujeito deixou um comentário, dizendo que “Deus
criou o funk, a timbalada e outros ritmos”, e que nós não podemos criticar esse
ou aquele estilo. Não publiquei o comentário, por estar anónimo, e anónimo eu
não publico mesmo. Deus deu dons aos homens, como a capacidade de produzir arte
e se expressar. Mas nem toda forma de arte é apropriada à adoração. Por
exemplo, a escultura. Pode ser usada, e foi, na decoração do templo e na
própria Arca da Aliança, mas como objeto de adoração e culto é terminantemente
proibida, que me perdoem, mais uma vez, os católicos. Certas formas musicais,
por apelarem mais ao corpo que ao espírito, também são indevidas (vou falar
disto em outro artigo, este já está comprido demais). E a dança também, não se
aplica ao culto. É uma forma de arte não apropriada ao ambiente. Jesus disse
que deveríamos adorar em espírito e em verdade: alguém aí por acaso é capaz de
dançar em espírito? Há, portanto, que se separar dança, coreografias, teatro,
performances musicais, que podem ser úteis para evangelização e pregação, do
louvor e adoração, onde nem tudo que parece bom e “artístico” pode ser
admitido. Insistir nisso é se nivelar com os católicos, que afirmam que suas
imagens não são para adoração, só para veneração… me ajuda aí.
Apesar de alguns pastores forçarem a barra (talvez por suas
esposas e filhas fazerem parte de tais “ministérios”), não existe isso no Novo
nem no Velho Testamento, quando foram organizados o culto no Tabernáculo e mais
tarde no Templo de Jerusalém. Davi estabeleceu turnos de músicos, cantores e
outros serviços, mas nunca se ouviu falar de “dançarinos”.
A dança de Davi foi um evento isolado e individual. Não foi
feita por um grupo que ensaiava para se apresentar regularmente no Templo. Não
existiam levitas que se dedicavam ao ministério da dança litúrgica. Muito menos
nos cultos da Nova Aliança! Davi cairia de costas se visse o que se inventou
com base naquele dia em que ele saltou de alegria diante da Arca.
Toda a nossa vida deve ser um culto a Deus (I Coríntios
10:31). Mas nem tudo que cabe na minha vida diária como culto a Deus caberia no
culto público. Posso plantar bananeira ou chorar com a cara no chão “para a
glória de Deus” no meu quarto, mas não se justifica isto no culto público.
Cabia perfeitamente a Davi dançar de alegria naquele dia, na procissão de
vitória, nas ruas de Jerusalém (desde que usando ceroulas). Todavia, não o
vemos fazendo isto no templo, durante os cultos estabelecidos por Deus (mesmo
usando ceroulas). Davi dançou nas ruas de Jerusalém, algo espontâneo e do
momento. Ele não marcou um culto para dançar de alegria perante o Senhor,
simplesmente porque não havia danças que fizessem parte do culto. Os apóstolos
e os primeiros cristãos entenderam desta forma, pois não há danças no Novo
Testamento.
Não existe isso de “danças no culto” como forma de adoração,
doa a quem doer, muito menos “adoração extravagante” e, ainda por cima “dança
profética” – de fato, um desdobramento óbvio da “dança no culto” + “adoração
profética”, mas uma aberração tão bizarra e extra-bíblica que nem vou comentar
mais.
Fonte http://doa-a-quem-doer.blogspot.com.br/2012/03/mais-vacas-sagradas-evangelicas.html