ENTREVISTA DA REVISTA SINAIS DOS TEMPOS AO DR. LLORCA

O Dr. Llorca participou recentemente no Congresso Internacional de Nutrição que teve lugar em Washington, patrocinado pela Universidade de Loma-Linda (Califórnia). Assistiram especialistas de todo o mundo.

-SINAIS Dos TEMPOS: Qual foi o tema principal deste Congresso?-Dr. Llorca: Falou-se sobretudo do facto de que a comunidade científica internacional está cada vez mais de acordo em que, uma alimentação rica em produtos de origem vegetal é uma garantia para a nossa saúde. A alimentação vegetariana é uma dieta pobre em gorduras, em proteínas, em sal, e rica em hidratos de carbono completos, que são as recomendações actuais de todos os grupos de investigação.

-Que vantagens traz à nossa saúde, fazer uma alimentação correcta?
-Na realidade este conceito é muito antigo: Hipócrates, o pai da medicina, já dizia "A tua alimentação é o teu remédio ... ". O que acontece é que durante muito tempo se pensou que o mais importante era a quantidade e a higiene dos alimentos, e não a qualidade.
Acontecia o mesmo com a origem das proteínas, os hidratos de carbono, as gorduras e as vitaminas. Ultimamente verificou-se que não era assim. O facto de a proteína ser animal, pressupõe à partida uma maior concentração de gorduras, um dos principais factores de doenças cardiovasculares.

As pessoas que fazem uma alimentação rica em gorduras e produtos animais, consomem, geralmente, menor quantidade de outros tipos de alimentos que são úteis e necessários: frutas, vegetais e cereais. Está demonstrado que as pessoas que fazem uma alimentação mais rica em vegetais, como cereais, legumes e hortaliças, frutas e verduras, gozam de mais saúde.

-Existe algum grupo da população no qual se possa comprovar os efeitos de uma tal alimentação?
-Fizeram-se estudos entre os hindus, que fazem uma alimentação à base de vegetais e bastante simples. À parte das doenças que podem contrair devido à sua pouca higiene, os hindus sofrem com menos frequência das doenças degenerativas típicas no ocidente: aterosclerose, artroses e artrites, etc.

Estudou-se também a alimentação do povo chinês, que contém 30% menos de gorduras e muito mais frutas e cereais do que, por exemplo, o povo americano. Este facto, adicionado a menos "stress" e menor consumo de tabaco, faz com que as doenças cardiovasculares sejam menos frequentes.

Mas, o grupo que mais interesse motivou por parte dos investigadores, foi o dos cristãos, membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Estas pessoas, fazem geralmente uma alimentação ovo-lacto-vegetariana, (alguns são mesmo vegetarianos puros, sem ovos, nem produtos lácteos), rica em cereais integrais, frutas e verduras; além disso praticam um estilo de vida são, isento de tabaco e bebidas alcoólicas. Tenho aqui, sobre a mesa, uma lista de 150 trabalhos publicados em revistas científicas de todo o mundo, nos quais se
mostra que os adventistas gozam de mais saúde do que o resto da população: menos enfartes (aproximadamente menos 50% do que a população em geral); menos casos de cancro, tanto do pulmão, como do cólon e do estômago. Isto fez com que o Instituto Nacional do Cancro e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, investisse milhões de dólares para estudar a razão desta situação. Este assunto foi muito referido no Congresso a que assisti.

-Estes Estudos fizeram-se somente nos Estados Unidos, ou existe, algum estudo, por exemplo, a nível da Europa?
-Existe sim. Na Noruega, na Polónia e na Holanda. Na Polónia, a esperança de vida para uma mulher não adventista, é de 70 anos. Para uma mulher adventista é de 75. Para um homem não adventista é de 62 anos, para um adventista é de 71,9, isto significa cerca de 10 anos mais de esperança de vida.

Estas diferenças por comparação foram feitas também entre adventistas e não adventistas na Noruega - a esperança de vida dos adventistas é de 5 anos mais. Na Holanda é de 6 anos mais. Entre os adventistas da Noruega, há 64% menos de doenças cardiovasculares do que a população em geral.

São muitas as publicações de organismos oficiais que citam o estilo de vida dos adventistas como um exemplo de vida sã. Recentemente, a Comunidade Europeia, publicou o chamado código europeu contra o Cancro, preparado por especialistas de oncologia dos países membros. Num dos seus parágrafos diz-se que "O cancro do aparelho digestivo é menos frequente entre os adventistas, cuja dieta é rica em frutas e vegetais, não incluindo tabaco, álcool ou café."
-Porque é que os adventistas fazem uma alimentação assim, basicamente vegetariana ou ovo-lacto-vegetariana?
-Os adventistas são um grupo de pessoas que atrai muito o estudo dos investigadores e epidemiologistas. Eles aguardam o segundo advento de Jesus Cristo, tal como Ele mesmo prometeu, para acabar definitivamente com a dor, a doença e o sofrimento que abunda neste mundo. Enquanto esperam esse acontecimento extraordinário, essa salvação, procuram cuidar do seu corpo e conservá-lo na melhor forma possível. Não somente o seu mas também o dos seus semelhantes. É um bom exemplo de equilíbrio entre a esperança e a acção, entre a crença e a prática.

Além desta razão de saúde os adventistas têm outras para fazerem uma alimentação simples e basicamente vegetal. Eles crêem que, tal como refere o Capítulo 1 do livro de Génesis, Deus criou o homem vegetariano. O regime que foi dado por Deus no princípio, consistia em frutas e cereais, e mais tarde Ele juntou as verduras. Esta é a alimentação ideal do ser humano. Para alguns isto pode parecer uma lenda, mas o facto é que tem uma base científica, e que funciona bem na prática. Os adventistas seguem tão de perto quanto possível os abundantes conselhos sobre Medicina Preventiva que estão contidos na Bíblia Sagrada.

Outra razão é de índole social. Para produzir 1.000 calorias de origem animal, são necessárias 10.000 calorias de origem vegetal sob a forma de rações à base de soja e grão, para alimentar os animais. A carne é um alimento muito caro, um luxo do ponto de vista ecológico. Para produzir uma quantidade relativamente pequena de carne, é necessário utilizar grandes quantidade de soja e de outros cereais, com os quais se pode alimentar muitas pessoas.

-É verdade que alguns alimentos podem reduzir o risco de contrair o cancro?
-Ultimamente fala-se muito de nutrientes anti-cancerígenos, que se encontram fundamentalmente no reino vegetal. Por exemplo a vitamina A: o seu precursor, o beta-caroteno, encontra-se na cenoura, tomate e vegetais coloridos. Esta provitamina é um potente anti-cancerígeno, possivelmente pelo seu efeito antioxidante. A vitamina A do reino animal, chamada retinol, sendo também oxidante, não tem o mesmo efeito. Acontece o mesmo com a vitamina C, que se encontra em todos os cítricos e também noutros vegetais, mas escasseia no leite e na carne. A vitamina E é outro antioxidante poderoso, que se encontra especialmente no gérmen dos cereais. Podíamos falar também dos inibidores das proteases, substâncias que abundam nos legumes, e que são potentes antioxidantes e anti-radicais livres; deste modo, bloqueiam os processos de oxidação e de formação de radicais livres nas células, um dos mecanismos pelo qual se crê o cancro é produzido.

Nos Estados Unidos fez-se um estudo chamado 'Dos Médicos', com o qual se quis provar que os médicos que fumam têm mais cancro do que os que não fumam. Com efeito, isso foi confirmado. Esse estudo foi continuado para saber se os fumadores, que fazem uma alimentação rica em frutas, verduras e em carotenos (pro-vitamina A), têm menos cancro do pulmão do que os fumadores que comem poucos vegetais. Isso foi confirmado.

-Que pode dizer-nos sobre a fibra vegetal de que tanto se fala?
-Como lhe dizia, o reino vegetal contém uma grande quantidade de substâncias protectoras contra o cancro e outras doenças degenerativas. Uma delas, que ainda não mencionámos até agora, é a fibra vegetal, que se encontra nos cereais integrais, nas frutas e nas verduras, mas não na carne, nem no peixe e nos ovos. Logo, as pessoas que fazem uma alimentação baseada nesse tipo de alimentos, não comem fibras suficientes e apresentam maior incidência de cancro do cólon, divertículos intestinais e outras doenças.

-Além da alimentação, que outros hábitos influem directamente na nossa saúde?
-Podemos dizer que a saúde de que dispomos, depende em grande parte dos nossos hábitos alimentares. Há um espaço muito pequeno para o acaso ou o azar. Há estudos feitos que mostram que mais de 50% das doenças de que sofremos têm que ver directamente com os nossos hábitos e costumes alimentares. A OMS (Organização Mundial de Saúde) definiu o tabaco como a principal causa de doença e mortalidade. Quanto ao álcool, a OMS define como bebedor de alto risco o que bebe mais de 50 gramas de álcool puro por dia. Demo-nos conta de que a cerveja, que se usa muito neste país, contém 70 ou mais gramas de álcool puro por litro. Isto quer dizer que num litro de cerveja, já foi largamente ultrapassado o limite de 50 gramas considerados de alto risco.

- Vale a pena cuidar da nossa alimentação e da nossa saúde. Não somente para viver mais anos, mas sobretudo, para vivê-los melhor.
- Muito obrigado, Dr. Llorca!

O Dr. Pere Llorca i Contel, espanhol, é especialista do Aparelho Digestivo (Gastroenterologista) e de Medicina Interna. Realizou estudos de especialização nos Estados Unidos, na Escola de Saúde Pública da Universidade de Loma Linda, onde obteve 'masters' em Nutrição, Epidemiologia e Educação, assim como um doutoramento em Medicina Preventiva.